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A Barca Santa Maria de Mandacaru do Mestre Deda

A brincadeira da barca ou nau catarineta, ou ainda maruja, nomes usados em diferentes locais da Paraíba, é uma das brincadeiras mais ricas e complexas que podemos encontrar, hoje, na cultura popular.

A barca ou nau catarineta é uma dança dramática, que representa o tema das navegações e os acontecimentos alegres e trágicos por que passa sua tripulação. Contém versos cantados e dançados, falas dos personagens e cenas que são selecionadas conforme a apresentação, alternando-se momentos festivos, cômicos e críticos, que demonstram conflitos entre tripulantes.

Impressiona pela variedade e beleza de seus cantos narrativos, dança e entrechos dramáticos que representam:

  • as idas e vindas da embarcação, que fica perdida no mar por muito tempo;
  • a fome, a sede, as lutas entre os tripulantes;
  • o rapto da Saloia, única personagem feminina a bordo, e as lutas para resgatá-la, uma das partes mais importantes da brincadeira.

Impressiona, sobretudo, como luta para manter em um lugar na memória, livre do esquecimento, a vida difícil dos trabalhadores do mar. A tripulação da nau catarineta sempre nos traz maravilhas, através daqueles que a vivenciaram e carregam consigo versos e cantos, dos quais nós também vamos de alguma maneira lembrar sempre.
A Barca Santa Maria, de Mandacaru, comandada por mestre Deda, é herdeira da tradição da Barca da Torre, trazida para Mandacaru pelo mestre Cícero Campos do Nascimento, um dos mestres mais respeitados da Paraíba. O grupo existe desde o início do século passado. Foi registrado em 1929 por Mário de Andrade e, em 1938, foi fotografado, filmado e gravado em disco pela Missão de Pesquisas Folclóricas, que saiu de São Paulo para pesquisar o Norte e o Nordeste.

Mestre Deda é o quarto mestre desta tradição da Barca Santa Maria, que navega em João Pessoa desde os anos 20 do século passado, sob o comando de Joaquim Vinte e Um, Cícero Campos do Nascimento, Seu Orlando e agora Mestre Deda.

A recuperação da Barca tem o apoio do Coletivo de Cultura e Educação Meio do Mundo. Desde abril de 2003, o grupo ensaia toda quinta-feira à tarde no Centro Social Urbano de Mandacaru, com a participação de integrantes do grupo de Terceira Idade do CSU e antigos e novos componentes do grupo que aos poucos vem chegando.

Através do projeto Embarcando na Nau Catarineta, a partir de agosto do ano passado, a Barca vem recebendo o apoio do FIC – Fundo de Incentivo à Cultura Augusto dos Anjos, vinculado à Subsecretaria de Cultura do Estado. O projeto de apoio à barca envolve também a participação de alunos e professores de escolas do bairro, além da comunidade.

Participam da Barca Santa Maria pessoas de todas as idades, de 08 a 84 anos. O grupo ainda não está completo. A maior dificuldade para fazer com que a Barca volte a atuar plenamente é a falta de componentes para completar seus pretendidos 56 tripulantes. Os ensaios ocorrem todas as quintas-feiras, no período da tarde, no CSU e têm ocorrido algumas vezes também aos sábados, com a vinda de novos participantes que trabalham durante a semana.

A importância da brincadeira pode ser avaliada pela atitude do grupo A Barca, de São Paulo, que interpreta músicas do repertório da cultura popular e adotou este nome inspirado pelas barcas, destacando-se as da Paraíba. Percorrendo o país a partir do Pará, em direção ao Sudeste, entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2005, A Barca fez apresentações junto com artistas populares e os visitou em suas comunidades, como parte do projeto Turista Aprendiz. Na Paraíba, por onde passaram em janeiro, os músicos fizeram questão de encontrar Mestre Deda e parte dos integrantes da brincadeira, com quem cantaram, dançaram e fizeram parte do acompanhamento instrumental, no Centro Social Urbano de Mandacaru. O encontro foi registrado em áudio e vídeo, pois o projeto prevê a produção de dois CDs com os artistas populares e um terceiro com recriações do grupo, além de um DVD. Convidaram a Barca Santa Maria para participar do show que realizaram no Espaço Cultural, mas Mestre Deda ainda não se sentia seguro para apresentar a brincadeira.

Como resultado do projeto Embarcando na Nau Catarineta, a Barca Santa Maria voltou a se reorganizar e, apesar de haver ainda a necessidade de ampliar seus componentes, já está em condições de realizar apresentações públicas, tendo se apresentado já diversa vezes:

  1. Em 01 de maio de 2005, no Centro da Cidadania de Mandacaru.
  2. Em 11 de junho, no período da tarde, no Shopping SEBRAE, como parte das comemorações do São João no shopping.
  3. Em 11 de junho, à noite, no bairro da Torre, em evento organizado pelo bloco A Corda da Torre.
  4. Em 25 de junho, em frente à Igreja São Pedro Gonçalves, no Centro Histórico, como parte da programação do São João promovida pela FUNJOPE; nesta data, já utilizou parte de seu figurino característico, adquirido com apoio do projeto (nas apresentações anteriores, usou camisetas com o nome do grupo, doadas pelos integrantes da equipe responsável pelo projeto, e calças brancas ou azuis).
  5. No dia 29 de junho, a atuação da Barca se deu sob uma forma bem diferente das outras quatro ocasiões: o grupo, uniformizado, participou da festa de São Pedro promovida por moradores do Jardim Mangueira (Mandacaru), com procissão através do rio Sanhauá, missa e realização da brincadeira em frente a uma capela localizada na Ilha da Santa. A participação em um evento religioso, de caráter comunitário, é muito importante; a experiência de quase três décadas de pesquisa na área de cultura popular nos faz acreditar que é este tipo de atuação que, ao possibilitar o enraizamento do grupo na comunidade, tende a ser o principal fator de sua consolidação, de sua ampliação mediante a adesão de novos membros e, assim, o meio mais eficaz de garantir sua continuidade no tempo.

Com a indumentária completa, serão realizadas ainda as três exibições previstas no âmbito do projeto, em palco coberto e com tempo para que a Barca apresente uma parte mais substancial da brincadeira, impossível de ser apresentada na íntegra em uma única apresentação, pois é bastante longa, envolvendo dança, música e um entrecho dramático.

O projeto prevê ainda a publicação de dois livros. O primeiro deles, A Nau Catarineta de Cabedelo (1910-1952), é uma cuja reprodução fac-similar dos manuscritos de Hermes Nascimento, antigo mestre da Nau Catarineta naquela cidade. O livro já está editorado, em processo de revisão final para encaminhamento à gráfica e à editora, devendo ser lançado em agosto. O segundo, Barca Santa Maria, contendo o texto da Barca de Mandacaru (letras, versos declamados, partes faladas), está em fase de transcrição e revisão dos textos, que estão sendo submetidos ao mestre para conferência. Estão sendo produzidos também um CD duplo e um vídeo sobre a Barca Santa Maria.

Por fim, vale lembrar que a Barca Santa Maria é uma das duas únicas que atualmente fazem apresentações públicas na Paraíba – a outra é a Nau Catarineta de Cabedelo. Há ainda o grupo das mulheres de Cabedelo, que atuaram durante alguns anos, mas hoje precisam de apoio para se reestruturarem e se apresentarem com seus trajes e adereços nas festas públicas e, fazendo ensaios, mas, pelo que sabemos, não se apresentando, o grupo de Seu Eduardo, em Areia e, em Bayeux, o de Seu Manuel Antônio Batista, fotógrafo lambe-lambe que trabalha na Praça Pedro Américo, próximo ao Comando Geral da Polícia Militar.